Era uma vez uma dupla. E que dupla — a alma e o coração de um grupo legendário que há 20 anos desfechou uma revolução na música e no comportamento dos jovens do mundo inteiro. Juntos, eles alcançaram um sucesso simplesmente incomparável e transformaram-se em dois dos grandes mitos deste século:John Lennon e Paul McCartney.
Lennon foi assassinado na madrugada de 9 de dezembro de 1980 e com ele, numa calçada ensanguentada de Nova York, morreu definitivamente o sonho de algum dia se ver os Beatles, que se separaram em 1970, reunidos outra vez. McCartney, distante e inacessível, virou um enigma. No início de tudo, durante os tempos heróicos de Liverpool, seu jeito amigo e afetuoso fizera dele o porta-voz ideal para o quarteto. (Apenas para registro — e para esclarecer a todos os que viveram fora do planeta nas últimas décadas - os outros dois eram George Harrison e Ringo Starr.) Desde a separação, no entanto, a imagem de Paul mudou. Com uma vocação inegável para o sentimentalismo musical, num contraste multa claro com as composições bem mais elaboradas de John, cuja adoração póstuma foi crescendo, ele passou a ser considerado superficial, vazio, quase descartável. E ainda por cima irreverente, desrespeitoso, por chocar milhões e milhões de fãs com uma observação no mínimo decepcionante sobre a morte do velho companheiro: "Que chateação!"
Depois de várias temporadas de excursões e discos com sua nova banda, os Wings, seguidas de gravações individuais, sempre com indiscutível êxito de público, Paul decidia fechar-se em si mesmo. Aparecia vez ou outra para lançar uma canção e eventualmente, ser preso sob acusação de porte de maconha. O próprio Lennon contribuira para as controvérsias em tomo de McCartney, alfinetando-o pela ingenuidade e a forma comercial de certas músicas suas. Isso ficou claro na histórica entrevista que concedeu a PLAYBOY, às vésperas de sua morte (e que publicamos em dezembro de 80, num encarte especial). Ali, ele insinuava que as melodias de Paul eram fáceis. Simplórias demais. Embora Paul procurasse se defender, sua tendência para se distanciar de tudo for se acentuando. Quando tentava quebrar essa couraça, com declarações ocasionais, parecia pedante — e era manhoso nas respostas.
Se não bastasse, sua mulher, Linda McCartney, também jamais conseguiu ser simpática com a imprensa. E a imprensa de sua parte, dava a impressão de conhecê-la tão pouco que, por causa de seu sobrenome de solteira, Eastman, identificou-a erroneamente como herdeira da fortuna Eastman Kodak. O pai de Linda, na verdade, ê um renomado advogado de Nova York, onde ela nasceu em 1941 — um ano antes, portanto, do que Paul, filho de um vendedor de tecidos, que foi também músico profissional, e de uma parteira. De mais a mais. Linda era acusada de presunçosa, por ter participado do conjunto do seu marido, e de intrusa, tal qual Yoko Ono — corno ela, teria contribuído para a dissolução das Beatles.
Há cerca de um ano, porém, Paul e Linda ensaiaram uma série de conversas esporádicas com a jornalista Joan Goodmann. Mais tarde, Joan lhes propôs trocar os papos informais por uma entrevista séria para ser publicada em PLAYBOY. Os McCartney toparam — e os encontros entre eles, a partir de então gravados, prosseguiram através dos seis meses seguintes. Pela primeira vez, Paul falou em profundidade sobre sua relação com John Lennon, as reações que teve diante de sua morte, a separação dos Beatles, seu processo de criação, seu cotidiano doméstico, seus sentimentos a respeito de si mesmo e sua música, com ou sem o grupo lendário. Contagiada pela franqueza do marido, que enfim resolvia abrir a alma, Linda venceu antigas resistências e constrangimentos para participar decisivamente da entrevista. Eis o relato da repórter Joan Goodmann:
“Eu havia sido avisada, por gente que não conhecia Paul direito, para ser muito cuidadosa. Paul era um vaselina, diziam. Costumava manobrar a imprensa, usando seu charme como arma e escudo. E eu estava assim, cheia de... coisas, quando fui pela primeira vez a Ellstre Studios, nos arredores de Londres, onde estava rolando Give My Regards to Broad Street (ainda sem título em português, mas que pode ser traduzido como Dê Minhas lembranças para Broad Street), um filme com roteiro, produção e músicas de Paul, que é, com Linda, seu ator principal. Foi lá, ao vê-lo trabalhando, com velocidade, sob pressão do tempo e nos limites do orçamento, que passei a conhecê-lo melhor e a respeitá-lo mais. Ele não é charmoso e bonzinho o tempo todo, mas é um bom sujeito. E, para alguém que não precisa levantar um dedo para continuai vivendo, não há dúvidas: ele de fato trabalha um bocado. Um dia, durante as filmagens, o produtor George Martin me disse: 'Acho Paul um gênio. É uma alegria trabalhar com alguém assim. Mas há muita gente que diz para pessoas corno Paul que elas são brilhantes e não fazem nada de errado. Ora, os gênios também cometem erros. Paul sabe disso. Seu ego não gosta, mas ele tem consciência de que é assim’. Como repórter, descobri que é verdade. As primeiras entrevistas foram hesitantes. Depois, pareceu se sentir menos ameaçado e surgiu o outro lodo de sua personalidade: ele tem uma necessidade, uma compulsão de dizer a verdade. Nesse tempo que passei com eles, ficou igualmente claro para mim que as relações entre Paul e Linda são as de um casamento à antiga. Paul é o homem que sai para a rua e trabalha para trazer dinheiro, e o modo de vida deles — a opção pela comida vegetariana, o gosto pelo campo, a determinação de proteger as crianças da fama dos pais — é obra de Linda. Eles se ajustaram como casal no decorrer dos anos, e a família aprendeu a separar Paul McCartney, o superstar, de Paul McCartney, marido e pai. Foi Linda quem me contou: 'Em casa. Paul é papai. Mas, quando o pequeno James o vê na televisão, ele sempre diz: Olhe, mamãe, o Paul McCartney!".
PLAYBOY — Já passou bastante tempo desde o assassinato de
John Lennon. Você pode falar sobre isso agora?PAUL McCARTNEY — Sim, claro... mas eu sou introspectivo. Não gosto muito de falar essas coisas para o público. Além do mais, para mim é quase impossível falar de John sem virar um maníaco.
PLAYBOY — Qual foi sua primeira reação quando soube da morte de John?
PAUL — Meu agente me telefonou cedinho. Linda estava levando as crianças para a escola.
LINDA MCCARTNEY — Eu já tinha levado as crianças e estava voltando. O rosto de Paul estava... meu Deus!... Horrível — nunca mais vou esquecer.
PAUL — Foi um negócio muito louco. Todos nós estávamos abismados. Como na morte de Kennedy, o mesmo momento terrível. Ninguém conseguia entender, eu não conseguia.
PLAYBOY — Na época, entretanto, você só disse "Que chateação!"
PAUL — Vou lhe contar o que aconteceu. Naquela manhã, quando soubemos da morte de John, os outros três Beatles, seus amigos, reagiram do mesmo modo. Isto é, todos nós fomos trabalhar — cada um no seu trabalho. Ninguém podia ficar em casa com uma notícia dessas na cabeça. Precisávamos trabalhar como loucos para não pensar na coisa. Assim, trabaihei o dia inteiro, mas em estado de choque. Quando sai do estúdio, apareceu um repórter que me apontou o microfone e perguntou: “O que você acha da morte de John?'' E eu respondi: "Que chateação!" Eu usei a palavra em seu sentido mais profundo: chateado, amolado, aborrecido, magoado. Mas nos jornais apareceu apenas "Que chateação!" E cada um entendeu o que quis.
PLAYBOY — Você sempre tende a dar respostas irreverentes, não é mesmo?
PAUL — Eu sei o que você quer dizer. Quando minha mãe morreu, eu disse apenas: "E como vamos enfrentar as despesas?" Nunca me perdoei pelo que eu disse, mas foi tudo que consegui dizer no momento. Como certas crianças: quando lhe dizem que alguém morreu, elas começam a rir.
PLAYBOY — Por não conseguirem suportar a própria emoção?
PAUL — Exatamente.
PLAYBOY — A respeito de John, o que você poderia dizer?
PAUL — O que você diria?
LINDA — A dor era mais forte que qualquer palavra.
PAUL — No fim do dia, fomos para casa, vimos as notícias na TV e então sentamos com as crianças e choramos a noite toda. Não podíamos suportar...
LINDA — Até hoje, a gente chora quando escuta uma das canções de John; não dá para evitar.
PLAYBOY — Lembra-se de sua última conversa com John?
PAUL — Lembro, sim. Foi muito boa, e essa última conversa foi uma espécie de consolo para mim. Porque nós jamais, no passado, conseguimos acertar nossas diferenças. Mas naquela última conversa, por telefone, foi ótimo e não explodimos um com o outro. Podia ter sido outro daqueles telefonemas em que a gente estourava e um batia o fone na cara do outro.
PLAYBOY — O que vocês falaram?
PAUL — Foi um papo gostoso e feliz sobre nossas famílias. Ele estava gostando muito de sua vida e Sean [filho de John] era responsável por grande pane dessa felicidade. Também estava querendo continuar sua carreira... Eu me lembro, ele disse "Oh, Deus. Eu pareço minha tia Mimi, zanzando pela casa de roupão, alimentando os gatos, cozinhando e tomando chá. Esta dona de casa precisa de uma carreira!’ Ele estava a ponto de lançar o disco Double Fantasy.
PLAYBOY — Voltando à sua irreverência a respeito da morte de John, esse não é um traço de sua personalidade? Mostrar pouca emoção por fora e se despedaçar por dentro?
PAUL — É isso. Minha mãe morreu quando eu tinha 14 anos... uma idade ruim... esse começo de adolescência, em que a gente está começando a ser homem, a ser macho. Esta foi uma das coisas que ligavam John e eu; ele perdeu sua mãe quando tinha 16 anos. E nosso modo de encarar a coisa era rindo — não no coração, só no rosto. Quando alguém perguntava pela mãe de John, ele costumava responder, bem seco: "Ela morreu”. A gente se divertia ao ver como as pessoas ficavam embaraçadas. Era uma espécie de brincadeira que tínhamos, entre nós. Acho que ajudou a gente a ser amigo; e ajudou na nossa parceria profissional. Éramos muito bons companheiros — até que os Beatles começaram a rachar e até quando Yoko Ono apareceu.
PLAYBOY — E aí...
PAUL — Eu... todos nós gostaríamos de fazer alguma coisa para quebrar aquela mágica que havia entre John e Yoko. Um dia desses, eu estava escutando meu segundo disco solo, Ram, e lembrei de uma pequena referência a John. Ele gostava de dizer o que os outros deviam fazer e eu, naturalmcnte, sempre torcia o nariz. Então, resolví em uma das músicas do Ram: Muita gente dando conselhos gratuitos. Acho que era isso. Era uma pequena alfinetada em John e Yoko, que queriam ensinar o mundo a viver.
PAUL — Eles entenderam mais do que deviam... Acharam que o disco inteiro era sobre eles! Ficaram doidinhos! Era bem coisa de John e Yoko. Eles pegavam uma coisa pequenina e a transformavam. Na verdade, o disco que eles fizeram depois era dirigido a todos nós, os outros Beatles. E nós dissemos; "Veja só, nós fizemos 2 por cento: eles. 200 por cento". Uma loucura!
PLAYBOY — Em quase todas as suas entrevistas. John dizia que no coração, ele nunca havia deixado os Beatles. Você acredita nisso?
PAUL — Não sei ao certo. Eu apenas suspeito que ele realmente nos deixou, isso aconteceu de verdade, era bem do jeito dele esconder essas coisas.
PLAYBOY — Você chegou saber o que John pensava de você?
PAUL — Acho que sabia. Mas, obviamente, as vezes minha fé era abalada. Então, nós começamos um a xingar o outro, nos separamos e eu não soube mais nada.
PLAYBOY — E mesmo nesse clima, antes da separação, vocês conseguiam fazer música?
PAUL — Claro! Isso de um modo ou de outro, sempre existiu. E foi uma das melhores coisas sobre Lennon e McCartney: a competição entre nós. Era ótimo, mas de convivência difícil. Deve ser uma das razões pela qual as parcerias geralmente se desfazem. E, naturalmente com uma mulher forte como Yoko. John mudou mais ainda.
PLAYBOY — O relacionamento de vocês dois com Yoko mudou depois da morte de John?
LINDA — Sem comentários!
PAUL — Quando perguntaram, depois da morte, se os Beatles a tinham confortado, Yoko disse: “Sem comentários".
LINDA — Mesmo com Ringo tendo viajado até lá, para vê-la. Mesmo com todos os telefonemas que fizemos.
PAUL — Nunca me dei bem com Yoko. E só comecei a entendê-la, um pouco, depois da morte de John. Logo depois, perguntei se podia ajudar em algo, em nome de minha velha amizade com John. Como ela recusasse, pensei: "ótimo!" Mas então eu refleti: ela estava passando pela grande tragédia de sua vida e eu seria simplesmente insensível e louco se dissesse — “Já que ela não está sendo boazinha para mim, não serei bonzinho para ela". Foi um modo de começar a conhecê-la. Olhando as coisas de outro ponto de vista que não o meu. Acho que isso se chama amadurecimento. Então, descobri que eu tinha uma série de coisas em comum com Yoko.
PLAYBOY — Por exemplo?
PAUL — Estávamos na mesma posição... nossa fama e as pessoas que conhecíamos...
PLAYBOY — Desde que você sentiu que podia entender Yoko, você falou com ela a respeito de John?
PAUL — Sim, sim. E me ajudou muito. Fiquei sabendo, então, que ele realmente gostava de mim. Yoko me disse que uma ou duas vezes eles escutaram meus discos. Nessas ocasiões, John ficava olhando para a vitrola e dizia: “Aí está ele". Bem... foi importante ter penetrado assim na intimidade deles.
PLAYBOY — Os elogios de John significavam muito para você, quando ele estava vivo?
PAUL— Muito, muito mesmo. Mas houve poucos elogios. Lembro-me de um. Quando a gente estava filmando na Áustria. Eu normalmente dividia um quarto com George (Harrison). Mas dessa vez estava com John. Havíamos passado o dia esquiando e estávamos cansados. No quarto, coloquei para tocar uma fita dos Beatles — provavelmente Revolver, ou Rubber Soul. Uma que tem Here, There and Everywhere [Revolver], E pela primeira vez, que eu me lembre, ele disse um elogio, embora não fosse definitivo: “Provavelmente, eu gosto mais das suas canções do que das minhas". Provavelmente! Foi o maior elogio que ele me fez. [resmungando] "Provavelmente, eu gosto mais das suas canções do que das minhas". Ôpa! Não havia ninguém por perto, por isso, ele disse... Eu o respeitava muito. Aliás, todos nós. John era o mais velho, o mais rápido. O mais esperto, o líder. Nós gostávamos de seu elogio. Principalmente porque era raro. Em Come Together, por exemplo, ele queria o som do piano bem grave, bem fundo... E eu consegui deiar do jeito que ele queria. Ele gostou muito, eu fiquei feliz. Ele também gostava quando eu cantava corno Little Richard. Todas aquelas músicas gritadas, no início dos Beatles, era eu cantando como Little Richard. É preciso um bocado de esforço para gritar como um idiota. Às vezes, eu pensava nisso e gritava um pouco menos. E lá vinha John: "Ora bolas! Vamos lá! Você pode cantar mehor do que isso! Vamos lá! Bota isso tudo pra fora!" Está bem, John.... Ele foi certamente a pessoa que eu mais respeitei na vida.
PLAYBOY — Vocês ficaram famosos por brincar com as palavras. Isso começou desde cedo?
PAUL — Você pode chamar isso de pendor literário. Mas naquele tempo coisas desse tipo eram apenas piadas. Claro, a gente linha uma certa habilidade com as palavras. Isso até se tornou uma das especialidades dos Beatles. As piadas com as palavras — eram coisa do nosso tempo, dos comediantes dos anos 50. Coisa de Liverpool, onde um bom trocadilho era sempre apreciado. Como você vê, não fomos nós que inventamos.
PLAYBOY — Você foi sarcástico agora ao falar a palavra ‘literário'.
PAUL — E a gente tinha um certo interesse em literatura, também. Li muito...
LINDA — Dylan Thomas e todos os outros autores...
PAUL — Eu gostava muito e ainda gosto. Gostava de ler tudo que era poesia, embora muitas delas fossem um pouquinho açucaradas. Nossa intimidade com as palavras era um pouco disso tudo. Mas quando John escreveu In His Own Write, as pessoas disseram que ele era "joyciano". Que escrevia como James Joyce. Sabe o que John disse? “Quem é esse cara?" Está vendo só? A gente não era intelectual, não havia estudado nada. As coisas zanzavam no ar e a gente apanhava. Com isso, fazia música, música simples...
PLAYBOY — Você se surpreendeu quando John escreveu In His Own Write?
PAUL — Não. Ele costumava fazer coisas assim já quando era jovem. Brincava com as palavras em um jornalzinho — Daily Howl — que ele fazia em Quarry Banks, a nossa escola Era um garoto de 12 anos e muito esperto.
PLAYBOY — Você invejava essa esperteza, esse talento?
PAUL — Não, de verdade. Apenas sua facilidade em ser espirituoso, de dar as respostas certas e bem colocadas com incríve! rapidez. Mas nós dois éramos os bons, igualmente. Gostávamos de ir para minha casa tentar tocar algumas canções... E. não esqueça começamos no mesmo lugar, Liverpool. Quase a mesma rua, dois ou três quilômetros de distância. Um ano e meio de diferença na idade. Conhecimento de guitarra, conhecimento de música. Tudo minto parecido.
PLAYBOY — Tem um monte de canções que as pessoas acham que você escreveu e foi John; e vice-versa.
PAUL — Tem razão. A coisa era bem mais difusa do que se imaginava Eu li, recentemente, em um artigo, que as contribuições de George para o grupo eram mínimas, insignificantes. Mas a verdade é que havia só quatro pessoas que sabiam o que eram os Beatles. Mais ninguém. Só nós sabíamos do que estávamos falando...
PLAYBOY — Mesmo agora você se coloca na defensiva se alguém ataca um dos quatro?
PAUL — Naturalmente. Ninguém pode desmerecer George, porque havia muito mais por baixo da superfície que todos viam. A mesma coisa com Ringo Starr: na superfície, era apenas um baterista. Mas não teríamos A Hard Day’s Night se não fosse ele. Ele gostava de brincar com as palavras, fazer frases.
LINDA — Foi Ringo que inventou Eight Days a Week.
PAUL— Sim. E ele disse também Tomorrow Never Knows. Ele vivia repetindo essa frase... Essa e outras viraram músicas. Dito assim parece muito comum. E não era a única coisa que ele fazia, elaborar frases. Isso era só a ponta do iceberg.
PLAYBOY— Você mesmo disse isso, antes. Se só vocês quatro sabiam do que falavam, o que faziam, o resto — o que os outros diziam — era pura teoria. Então você concorda que os Beatles eram maiores do que a soma de cada um?
PAUL — Sem nenhuma dúvida.
PLAYBOY — Muitos artistas que deixaram seus grupos insistem em dizer que seu trabalho individual continua no mesmo nível...
PAUL — Quando nos juntamos, nós quatro éramos sem dúvida melhores do que os quatro individualmente. Sabíamos, naquela época, tínhamos certeza de que ficaríamos juntos por um longo tempo. Isso nos fez fortes, como uma família. Nos fez bons à beça. Depois, os negócios interferiram...
PLAYBOY — Voltando ao início da carreira: seu pai fez alguma objeção a você entrar no grupo de John?
PAUL — Ele queria que eu seguisse uma carreira. "Está muito bem que você toque com o pessoal", ele dizia, "mas você tem de aprender uma profissão”. Ele era um homem comum, um vendedor de tecidos sem grandes ambições; abandonou a escola aos 13 anos. Mas era muito inteligente. Fazia palavras cruzadas para aumentar seus conhecimentos. Ele me ensinou bom senso — o que se encontra muito em Liverpool. Já viajei pelo mundo inteiro. E juro por Deus que nunca encontrei povo mais cheio de espírito, mais inteligente, mais delicado, mais cheio de critério e bom senso do que o pessoal de Liverpool. Eles não são importantes ou famosos, mas são espertos, de inteligência natural como meu pai. Gente que 'liquida problemas com facilidade.
PLAYBOY — Quando você diz isso, as pessoas podem achar que você não está sendo sincero. Você está rico e é famoso no mundo inteiro — e diz que gosta de ser uma pessoa simples, comum, normal...
PAUL — Não. Eu não digo apenas que gosto de ser comum, simples. Eu sou mesmo. Não é uma contradição. É apenas a minha resposta à questão: "Qual é o melhor meio de viver?". Eu acho que é sendo simples.
LINDA — É divertido.
PAUL — A gente pode até ter um Rolls Royce para cada dia da semana. Mas isso não quer dizer nada, isso deixa as pessoas frias. Ocasionalmente, por exemplo, eu vejo alguma roupa muito boa, muito bonita, de que eu gosto. Compro, porque posso comprar. E depois não me sinto bem com ela...
PLAYBOY — Naturalmente, a riqueza mexeu com alguns desses valores?
PAUL — Quando você começa a ganhar dinheiro, primeiro você compra todas as coisas que sempre teve vontade e nunca havia conseguido. Contrata um motorista, por exemplo. Um dia, você se vê no banco de trás do carro, assistindo televisão, tentando equilibrar um copo de champanhe e diz: "Era bem melhor quando eu tinha um carrinho pequeno e era obrigado a dirigir eu mesmo" Eu tive milhares dessas divagações nos bancos de trás de limusines. E então decidi desistir disso tudo! É um negócio doente. Não aceito mais motoristas!
PLAYBOY — Apesar do conselho de seu pai para aprender uma profissão, foi ele mesmo que o encorajou com a música. Ele chegou a escrever alguma canção?
PAUL — Só uma, quando ele esteve em um conjunto. Não era um conjunto de muito sucesso: tinha de trocar de nome toda hora, senão ninguém os convidava pela segunda vez. Tocavam em tudo que era festinha e barzinho. Minha mãe tinha um namorado e obrigava ele a levá- la para todos esses lugares — até que ele desconfiou que ela estava seguindo papai. Eu tive por quem puxar [risos]. Há poucos anos eu peguei essa música de meu pai e fiz a letra, e gravei, com Chet Atkins e Floyd Cramer, em Nashville. A canção passou a se chamar Walking In the Park With Eloise. Então, eu disse a meu pai que ele iria ganhar os direitos autorais pela canção que ele havia escrito. "Eu não escrevi nada", ele me disse. Eu me espantei, mas ele explicou que só havia "imaginado'' a música, que jamais conseguiria escrever música porque não sabia uma nota. Como eu: não escrevo músicas, apenas as "imagino".
PLAYBOY — "Imaginar" canções é o que lhe dá mais prazer?
PAUL — Quando eu vivia uma vida mais doida, bebendo e encontrando com os amigos, provavelmente eu ficava mais exposto a crises e tinha de contorná-las escrevendo música. No entanto, quando fiz Yeslerday não me lembro de nenhuma crise na época. Mas essa coisa de vida doméstica, de cuidar dos negócios, me deixa confuso. Acho que não foi isso que me transformou, mas foi o fim dos Beatles. A falta de três grandes amigos, três grandes talentos, isso mexeu comigo.
PLAYBOY — Você queria que os Beatles continuassem?
PAUL — Eu gostaria que os Beatles jamais tivessem acabado. Queria que a gente continuasse fazendo música e que todo o resto fosse secundário. Mas John não quis. Ele falou isso para Allen Klein [o empresário que John e Yoko haviam contratado]. E Klein disse para John: “Não diga isso aos outros. ." Não sei se posso contar isso, mas o que Klein disse foi: “Não diga nada aos outros até que a gente tenha assinado contrato com a Capitol". A gente não pretendia dizer nada por motivos comerciais. Mas o que me magoou de verdade foi saber que John não ia nos contar nada até assinar o bendito contrato. Eu acho que ele estava muito influenciado por Klein, que era o empresário preferido de Yoko porque fazia tudo que ela queria, segundo eu soube. Assim, Klein se tornou o empresário de John por influência de Yoko. É uma teoria minha.
PLAYBOY — Mas você teve sua vingança ao ser o primeiro a falar sobre a separação dos Beatles...
PAUL — Dois ou três meses mais tarde, quando estava para sair meu primeiro disco solo. Um cara que fazia assessoria de imprensa para a gente perguntou o que eu iria dizer sobre os Beatles quando a pergunta fosse feita durante o lançamento do meu disco. Eu disse que não sabia o que falar. E esse cara sugeriu que a gente fizesse uma entrevista e distribuísse. Assim, ele montou algumas perguntas e eu dei algumas respostas, que incluíam o anúncio da separação do grupo.
PLAYBOY — Me parece um pouco calculado demais e frio de sua parte.
PAUL — Era para ser só um impresso que acompanharia o disco. Mas quando saiu publicado nos jornais... de fato, pareceu frio, um negócio maluco. Eu respondendo a um questionário. Foi esquisito. E, naturalmente, deixou John chocado. Eu não imaginava que isso iria magoá-lo tanto, que era tão importante ele ser o primeiro a contar.
PLAYBOY — John disse mais tarde que nunca perdoaria você por ter usado a separação do grupo como publicidade para o seu primeiro disco solo.
PAUL — Foi estúpido, mas eu achava que era hora de dizer a verdade. Eu não poderia mentir ao público. Um drama de consciência meu. Na realidade, nunca cheguei a pensar nisso profundamente. Neil Aspinall, leu o “comunicado oficial, quase sem voz. Eu pensei comigo: “Oh. meu Deus. Nós acabamos mesmo com os Beatles! Que merda!"
PLAYBOY — E o que aconteceu, então?
PAUL — Linda foi quem sofreu mais. Ela teve de me aguentar...
LINDA— Parecia um pesadelo.
PAUL — Eu fiquei impossível. Não sei como alguém poderia conviver comigo naqueles dias. Um desempregado diria: "Mas você está bem de vida; a coisa não é tão ruim assim". Mas o dinheiro não me importava, apenas a sensação de desapontamento. Nunca havia experimentado nada parecido. Quando tomei drogas, elas me deixavam maluco, mas eu sabia que podia me descartar delas. No caso do fim dos Beatles, não. Até então, eu tinha autoconfiança, que não perdi mesmo quando minha mãe morreu — afinal, eu não tinha sido o culpado. Mas quando os Beatles acabaram... Foi pior para Linda, que teve que aguentar um cara que não queria sair da cama, que bebia muito, que não gostava de se barbear. Eu era um sujeito mórbido...
LINDA — Autoconfiança é a palavra. Esse negócio todo mexeu com a sua autoconfiança.
PAUL — Não era caso de suicídio, nem pensei nisso. Mas... vamos dizer... eu não gostava de viver comigo mesmo. Não sei como Linda conseguiu.
PLAYBOY — Como você conseguiu, Linda?
LINDA — Não costumo entregar os pontos. Jamais pensaria que era assim e pronto. Mas a coisa toda me surpreendeu...
PAUL — Ela olhava minhas fotos, da família ou em capas de revistas, e dizia consigo mesma “Meu Deus! Eu não pensava que você pudesse ser assim!"
LINDA — Eu acreditava que os Beatles estivessem acima desse tipo de coisas... A imagem que todos tinham dos Beatles e de sua música era positiva: mostrava como a vida era ridícula e como a gente deveria rir das coisas... Eu não imaginava que gente assim tivesse problemas.
PLAYBOY — O que foi que ajudou você a se recompor, Paul, e finalmente formar os Wings?
PAUL — Foi o tempo, só o tempo. Houve também o choque de ter perdido os Beatles como conjunto de música... Eu não tinha um conjunto com quem tocar. Aconteceu a mesma coisa com John.
PLAYBOY — A formação dos Wings foi então, o primeiro passo para a recuperação?
PAUL — Sim. A resposta para a perda de um emprego é tentar arranjar outro. Às vezes, não é a resposta que a gente desejaria — mas eu precisava fazer qualquer coisa.
LINDA — Considerando que você me chamou para fazer parte do grupo, você eslava mesmo topando qualquer coisa.
PAUL — De qualquer modo, funcionou. Fizemos canções juntos — essas canções que as pessoas dizem ser piores do que as do tempo dos Beatles. Tudo que posso responder é: “Desculpem, mas é o melhor que eu posso fazer agora. Pode não agradar vocês, mas estou fazendo isso honestamente". O que mais posso dizer? Isso nos ajudou a retomar nosso caminho.
PLAYBOY — O que você acha da música que você produziu nessa época? É algo de que você possa se orgulhar?
PAUL — Eu costumava pensar que era um trabalho de segunda classe. Mas depois eu encontrei gente — não da geração dos Beatles — que realmente gostava dessas canções. Tem gente que menciona My Love ou Band on the Run — é ótimo. Ou Mull of Kintyre ou Ebony and Ivory.
PLAYBOY — Linda, como Yoko Ono, você também é acusada de ter ajudado os Beatles a se separarem...
LINDA — Falam muitas coisas de mim: que fiquei snob depois do casamento com Paul; que sem ele eu não seria uma fotógrafa famosa. Está certo, mas essas coisas machucam... embora eu possa suportá-las. Na verdade, o mais importante para mim é o que dizem de Paul. Talvez porque ele é o tipo de pessoa que liga para essas coisas. E sofre com isso.
PLAYBOY — Como é que você se sente quando artigos e livros dizem que você é uma groupie ou descreve cenas íntimas do Beatle Paul MeCartney? Ou ainda, como no livro The Love Vou Make de Peter Brown (ex-diretor da Apple), em que se fala da relação homossexual entre John e Brian Epstein?
LINDA — Peter era um grande amigo, apresentou Paul para mim. Uma pessoa em quem eu confiava — quando fui para o hospital para ter Stella, deixei Mary, que era um bebê, aos cuidados dele. Era um amigo. Agora, é como se não existisse. Quanto ao livro... não importa o que ele escreveu, porque Peter traiu minha confiança. Ele nos mandou um exemplar do livro e nós o jogamos no fogo da lareira. Sobre as experiências de john e de Paul, você pode perguntar ao próprio Paul.
PLAYBOY — Nós estávamos falando sobre o livro de Peter Brown.
PAUL — Ah, sim. Ele disse que ia escrevei um livro sobre os anos 60, não um livro sobre os Beatles. Eu o trouxe aqui em casa — algo que a gente não costuma fazer. Comemos juntos, mostrei-lhe as crianças, nossa vida, tudo. Pensava que ele era amigo. Além disso, aquela fofoca sobre a ligação entre John Lennon e Brian Epstein, em uma viagem à Espanha: isso foi muito comentado, mas nem ele nem ninguém pode saber ao certo. E o pior. John não está mais aqui para se defender — nem Brian. Espero que as pessoas que gostavam dos Beatles saibam, ainda que vagamente, como nós éramos. E nós não éramos assim. Quero dizer que o tempo de John era gasto com coisas bem mais interessantes, se bem que ninguém é perfeito. Nem Jesus — e veja só o que fizeram com ele.
PLAYBOY — John parece ter feito muitas outras coisas naquele tempo louco. Dizem que ele experimentou heroína. Você sabe algo sobre isso?
PAUL — Não, não naquele tempo, pelo menos. Nós nunca vimos.
LINDA — Talvez depois que ele se ligou a Yoko.
PAUL— Minha teoria é que John e Yoko estavam tão apaixonados que começaram a adicionar loucura ao amor comum. Pelo que eles contaram para a gente — e pelo que a gente soube — isso incluía qualquer coisa bem doida. Se o negócio era ficar nu, eles ficavam nus. Se o negócio era experimentar heroína... Nada era demais para eles. Naquela época, falava-se muito em "fazer a cabeça".
PLAYBOY — Vocês mesmo nunca experimentaram heroína?
PAUL — Não.
PLAYBOY — Mas você não desconhece outras drogas?
PAUL — Não gostaria de falar sobre marijuana em uma entrevista. E por quê? Porque eu tenho quatro crianças e pareceria que eu estou delendendo o uso da maconha. Não estou. Mas depois desse incidente em Barbados (Paul foi apanhado pela polícia quando portava maconha], com todo mundo dizendo "Menino malvado. Você não devia ter feito isso". Bem, como um homem de 41 anos, acho que tenho o direito de rebater essas acusações. Veja bem: a lista das drogas perigosas, eu acho, começa com heroína e morfina - não há saída, depois que se começa. Maconha está no fim da lista. Cocaína está acima da marijuana. Eu usei coca [medindo as palavras]. Mas depois a coca ficou muito na moda entre executivos da indústria de discos. Achei que não podia ficar na mesma lama que eles... E eu acredito firmemente que remédios como Librium e Valium são piores que a marijuana. Para mim. Maconha é mais fraca do que uísque escocês. Mas, veja bem, isso não quer dizer que estou defendendo o uso da marijuana. Só estou dizendo o que é uma verdade tara mim. Também gostaria de dizer que há coisas que são menos prejudiciais do que a maconha: o ar, por exemplo. Eu defendo o uso do ar todos os dias. Agua e suco de laranja, também; boa comida vegetariana. Mas às vezes isso sai publicado como se eu fosse o sumo-sacerdote da maconha. É uma estupidez. Eu posso usar maconha ou não. Me pegaram no Japão por causa disso. Passei nove dias sem maconha e não fiquei louco.
PLAYBOY — Como foi essa sua prisão no Japão?
PAUL — Foi um inferno. Mas eu só lembro das pequenas coisas boas qur aconteceram — como um piquenique que não deu muito certo. O pior foi o caso ter aparecido na televisão... Mas lá na cadeia os outros prisioneiros sabiam quem eu era e me pediram para cantar. Não havia instrumentos, eu bati o compasso com as mãos [repete o gesto] — a imprensa mundial bem que teria gostado de ter uma câmara lá. Bem, eu vi aquele filme. A Ponte do Rio Kwai, portanto sei o que se deve fazer quando se é prisioneiro de guerra! A gente deve rir muito, ser alegre. manter o moral alto. Eu fiz um bocado disso ai.
PLAYBOY — E as coisas ruins da prisão?
PAUL — Lembro que quando entrei na cadeia, minha primeira preocupação era com o estupro. Eu tinha medo de ser estuprado. Você não teria medo também? Assim, eu dormia com a bunda virada para a parede. Eu não sabia o que podia acontecer. [Imitando japonês] "Bom dia. Sou amigo carcereiro, né. Precisava favorzinho. né." "Não, não. Nem por uma tigela de arroz.” Fiquei lá mais de uma semana com o mesmo terno verde com que entrei. Nem pensei em pedir roupa limpa: não queria tirar a roupa.
PLAYBOY — Seus problemas legais, desse tipo, são uma coisa. E os problemas legais da Apple, os casos financeiros? Seus velhos negócios foram todos acertados?
LINDA — Que é isso? Só se passaram 15 anos! (Rsrs).
PAUL — É claro que já acertamos tudo, quando menos para preservar nossa saúde mental. Mas houve um bocado de confusão ao longo dos anos. Uma vez John Lennon apareceu numa reunião e pediu um empréstimo de 1 milhão de libras! Todos nós ficamos perplexos. Só conseguimos dizer "O quê!!!", caiu o queixo de todo mundo e a reunião foi cancelada. Outra vez, nos reunimos para terminar com tudo, no Plaza Hotel, em Nova York. Parecia uma conferência de grandes potências — havia milhões de documentos para assinar. George deixou uma excursão no meio. Eu voei da Inglaterra especialmente para esse encontro, Ringo também... e John não apareceu! George ia à janela, gritava no telefone (para ninguém): "Apareça, seu filho da puta". Mas ele não veio. Em seu lugar, apareceu um mensageiro com um balão de borracha onde estava escrito: "Prestem atenção a este balão". Mais nada.
PLAYBOY — Felizmente, a maior parte dos rendimentos de vocês não vinha da Apple mas da editora de músicas, não é?
PAUL — Disso e dos meus discos individuais. Mais ou menos metade de cada. A editora, as músicas que a gente tem, são um negócio fabuloso. Bonito. E eu devo tudo ao pai de Linda e a seu irmão, John Eastman. Lee, o pai de Linda, é uma grande cabeça para negócios. Ele me disse: "Se você vai investir dinheiro, escolha um negócio que você conheça. Se você entrar numa indústria de computadores, pode perder uma fortuna. Você não gosta de música? Fique na música". O pai de Linda, então, encontrou uma companhia chamada E. H. Morris, em Nova York, que tinha os direitos sobre a maioria das melhores canções que já foram escritas, músicas que meu pai tocava: Tenderly, After You’ve Come, Stormy Weather. O mais estranho é que a geme nunca foi dono de nossas músicas. Outra pessoa tem os direitos de Yesterday, não eu. Minha editora, então, é uma espécie de compensação. Bom, nessa época, também apareceu um pequeno show off- Broadway que precisava de investidores e Lee perguntou se eu queria produzi- lo. Eu disse que não, que a gente não devia se intrometer na aventura da equipe. Mas publicamos as músicas. Era o musical Annie, que depois fez sucesso e virou filme. Depois apareceu A Chorus Line, e nós publicamos: e também Cage Aux Folies. E Grease. As músicas de John Travolta. Aos poucos, a nossa casa editora tornou-se a maior entre as independentes.
PLAYBOY— O que fez de você um dos homens mais ricos do mundo...
LINDA — Não existem todos esses milhões de que falam os jornais. A fortuna de Paul está sempre nas colunas de fofocas. E é sempre exagerada.
PLAYBOY — O número mais frequentemente citado é 500 milhões de libras.
PAUL — E o outro é que eu ganho líquido 20 milhões de libras por ano.
LINDA — Você imagina quanto se paga de impostos sobre isso?
PLAYBOY — Uma das últimas coisas que John Lennon fez para PLAYBOY foi lembrar as músicas dos Beatles e falar de pequenas particularidades de cada uma. Você pode fazer a mesma coisa?
PAUL — O.K, mas eu não vou nem saber por onde começar.
PLAYBOY — Só algumas músicas. A mais amiga, por exemplo: Love Me Do?
PAUL — Love Me Do — a primeira que nós gravamos. Lembro que no dia da gravação eu estava muito nervoso. John deveria ser o vocalista, mas na última hora eu fiquei no lugar dele porque, no estúdio, achavam que John deveria tocar a gaitinha. A gente não havia ensaiado aquela música com gaita: George Martin fez um arranjo na hora. Foi de arrasar com os nervos.
PLAYBOY — Do You Want To Know a Secret?
PAUL — Não lembro quase nada. Foi uma canção feita para George.
PLAYBOY— All I’ve Got To Do?
PAUL — Foi John que cantou essa, eu acho. Algumas dessas músicas mais antigas eu não lembro muito.
PLAYBOY — All My Loving?
PAUL — Fui eu que escrevi essa. A primeira que eu fiz antes a letra, depois a música. A letra saiu numa excursão, eu estava num ônibus. Depois, achamos a melodia. Um trabalho de cabeça para baixo.
PLAYBOY — I Wanna Be Your Man?
PAUL — Escrevi essa para Ringo. Depois nós a demos para os Rolling Stones... Encontramos Mick e Keith em um táxi em Charing Cross Road, em Londres, e Mick perguntou se a gente tinha alguma canção nova. "Temos uma bem aqui", nós dissemos. George Harrison havia conseguido o primeiro contrato para os Stones. A Decca Records estava apavorada, porque os Beatles tinham estourado e eles haviam recusado contratar a gente, antes. O pessoal da Decca era amigo de George e perguntou-lhe se ele conhecia outros grupos. Queriam livrar a cara. George sugeriu os Stones. E foi assim que eles conseguiram seu primeiro contrato. Hoje, eles não falam mais disso. Mas a verdade é essa.
PLAYBOY — Please Mr. Postman?
PAUL — Influência do grupo Marvelettes. A ideia veio das cartas dos fãs, que traziam geralmenle essas palavras — Please Mr. Postman — no verso dos envelopes. Ou Posty Posty, Don’t Be Slow, Be Like The Beatles and Go Man Go! [Carteiro, carteiro, não seja devagar; seja como os Beatles E bote pra quebrar]. Coisas desse tipo.
PLAYBOY — I Should Have Knou Better?
PAUL — Você devia saber mais sobre isso antes da entrevista! Essa é de John.
PLAYBOY— If I Fell?
PAUL — Faz parte de uma fase gostosa — This Boy, Yes It Is. If I Fell. Todas mais ou menos iguais, quero dizer, na mesma linha... como os Four Tops.
PLAYBOY — Então, vocês aproveitavam coisas de outros grupos? Vocês estavam ligados em outros grupos?
PAUL — Claro. Nós éramos os maiores enganadores da praça. Plagiadores extraordinários.
PLAYBOY — E And I Love Her, foi escrita para alguém?
PAUL — É só uma canção de amor: não foi escrita para ninguém em especial. Eu gostava porque o título era uma frase apanhada no meio, a conclusão de uma ideia. Anos mais tarde. Perry Como fez And I Love Her So. Tentou copiar a idEia. Eu adoro o tema melódico, até hoje.
PLAYBOY — Can’t Buy Me Love?
PAUL — Foi gravada na França. Ficamos muito orgulhosos quando Ella Fitzgerald gravou também, embora a gente não consiga imaginar por que ela escolheu essa música.
PLAYBOY — Help!?
PAUL — John escreveu... bem, John e eu. Foi na casa dele em Weybiidge. Foi feita especialmente para o filme.
PLAYBOY — You’ve Got to Hide Your Love Away?
PAUL — Foi influência de Bob Dylan sobre John. Se você prestar atenção à gravação, vai ver que John canta igualzinho o Bob Dylan.
PLAYBOY— Nowhere Man?
PAUL — Isso foi John depois de uma noitada. Voltando para casa com o sol nascendo... Acho que nessa época John estava realmcnte meio perdido, sem saber para onde ir.
PLAYBOY — Taxman?
PAUL — George a escreveu. Eu toquei guitarra... George estava com raiva por que tinha acabado de saber quanto tinha de pagar de imposto de renda. Ele nunca se ligou nisso, antes.
PLAYBOY— Eleanor Rigby?
PAUL — Minha. O nome Rigby era de uma loja em Bristol. Eleanor veio de... Eleanor Bron, a atriz com que nós trabalhamos num filme. Eu só queria um nome que parecesse normal. Eleanor Rigby era assim.
PLAYBOY — Here, There and Everywhere?
PAUL — Eu estava na piscina da casa de John.
PLAYBOY — Parece que você fez um bocado de música na casa de John, nessa época...
PAUL — Muitas vezes ele vinha a minha casa. Mas em geral eu ia na dele.
PLAYBOY — Entre as canções que você compôs sozinho. Yesterday certamente foi a de maior sucesso. Como foi que você fez Yesterday?
PAUL — Literalmente, caiu da cama. Eu tinha um piano no meu quarto... Acho que sonhei com a música, porque acordei de repente, sentei ao piano e ela saiu inteirinha, completa. Fiquei encucado, achava que tinha ouvido a melodia em algum lugar e estava só botando para fora o que era de outra pessoa. Passei dias e dias tocando a música para todos os meus amigos e perguntando se eles já não a conheciam. Eles me disseram que não, que não existia nada parecido. Não acredito em mágica, no sentido de soitilégio, os astros, signos, essas coisas. Mas acredito numa espécie de mágica que faz você ser um espermatozóide de sucesso entre outros 300 milhões de concorrentes. Eu não sei como escrevo músicas. Eu não sei como eu respiro. Isso é mágica. Apenas é, apenas existe.
PLAYBOY — Bem... algo menos sulilime: Yellow Submarine?
PAUL — Eu estava na cama. Pensei nela corno uma história para crianças. E depois todos nós concordamos que Ringo deveria cantá-la.
PLAYBOY — Good Day Sunshine?
PAUL — Eu estava na casa de John. O sol naturalmente estava brilhando. Influência do conjunto Lovin’ Spoonful.
PLAYBOY — Got to Get You Into My Life?
PAUL — É minha, eu que escrevi. Uma das primeiras em que usamos trumpetes.
PLAYBOY — Tomorrow Never Knows?
PAUL— John escreveu a letra a partir de uma versão do livro Tibetano dos Mortos, de Timothy Leary. Uma espécie de bíblia psicodélica. Esta era uma canção sobre LSD; provavelmente a única. Todo mundo pensa que Lucy In The Sky With Diàtnonds era sobre LSD. Mas foi mesmo um desenho que o filho de John trouxe da escola. Nós fizemos uma letra propositadamente psicodélica em cima da ideia. Foi natural. Mas não havia nada com LSD. Só que esse tempo era para isso: todos descobriram coisas nas nossas músicas, nas capas dos discos. Lembra de Abbey Road? Diziam que eu estava morto, porque na foto da capa eu era o único sem sapatos. As pessoas enxergavam muito mais do que realmente havia... E a gente deixava a coisa andar...
PLAYBOY — O fato de você ter tomado LSD fez alguma diferença no que você escreveu depois?
PAUL — Acho que sim. Qualquer coisa sempre provoca alguma mudança. Nessa fase, a gente tomava LSD. Mas não para trabalhar.
PLAYBOY — Sgt. Pepper?
PAUL — Foi uma ideia que eu tive um dia em que viajava de Los Angeles para algum outro lugar. Pensei que seria interessante se a gente pudesse perder nossas identidades e renascer em outro grupo. Então, tentei imaginar um nome bem maluco para esse grupo — algo como O Show do Remédio Milagroso do Dr. Jook e seu Circo. Algo assim. E cheguei a Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Apenas um jogo de palavras.
PLAYBOY — Getting Better?
PAUL — Escrevi essa em minha casa, em St. Jones Wood. Eu disse “it’s getting better all the time” (está melhorando a cada hora) e John fez aquela frase famosa — “Não poderia ser pior”. Daí saiu o espírito da música: uma letra superotimista com um tom sardônico. Típico do John.
PLAYBOY —- Fixing a Hole?
PAUL— Sim, eu que fiz... gosto dela. Tem uma história estranha: no dia em que a gente ia gravar, em casa, apareceu um sujeito na porta dizendo que era Jesus Cristo. E eu o levei para o estúdio, apresentei-o aos outros: “Este aqui é Jesus Cristo”. Ele se comportou adequadamente. Foi a última vez que a gente viu Jesus.
PLAYBOY — She's Leaving Home?
PAUL — A balada que eu mais gosto desse período. Minha irmã gosta muito — uma de minhas irmãs... Outra coisa que lembro é que George Martin ficou ofendido porque eu usei outro arranjador. Mas ele andava ocupado e eu estava louco para ver a música pronta. Acho que George Martin teve a maior dificuldade em me perdoar. Eu o magoei; mas não tive a intenção...
PLAYBOY — Being For The Benefit of Mr. Kíte?
PAUL — Foi tirada de um cartaz de circo que John tinha.
PLAYBOY — When I’m Sixty-Four?
PAUL — Quem sabe? Eu escrevi a melodia quando tinha 15 anos de idade, no piano, em casa. Uma música de cabaré. Anos mais tarde, eu fiz a letra.
PLAYBOY — Na sua entrevista a PLAYBOY, John disse que não queria falar dessa música, porque ele nunca escreveria uma coisa assim.
PAUL — Quem podia saber do que John gostava? Ele podia dizer que detestava certa música num momento; e um minuto depois podia dizer que a adorava. Dependia apenas do estado de espírito dele... Pouco me importa, eu gosto dessa música.
PLAYBOY — Lovely Rita?
PAUL— Sim, essa é minha. Baseada nas mettermaid (fiscal de estacionamento). Como muitas canções dessa fase — como When I’m Sixty Four, tem um ar irônico. Mas as pessoas levaram a sério. Em Lovely Rita, a ideia de uma meter-maid ser sexy era irônica. Existem algumas que até são, mas a maioria...
PLAYBOY— Good Morning?
PAUL — É de John. Foi a vez em que usamos um monte de efeitos de som. Havia cavalos, galinhas, cachorros — um monte de sons.
PLAYBOY — A Day In The Life? É de John, não é?
PAUL — A maior parte. Lembro de ter gostado muito da frase I’d love to turn you on (Gosto de fazer você se ligar). A BBC suspendeu a música de sua programação. Havia outra frase: ‘Now you know how many holes it takes to fill the Albert Hall' (Agora, você sabe quantos buracos são necessários para encher o Albert Hall). Mas não havia nada rude ou malcriado. Uma boa música: a orquestra crescendo era ideia baseada em Stockhausen e coisa parecida — música abstrata. A gente pediu à orquestra que começasse nas notas mais baixas e chegasse, no fim da música, às notas mais altas. Não foi fácil para os músicos. Os violinos começam um pouco depois dos trumpetes. E natural: os violinos tendem a seguir uns aos outros, são como carneirinhos. Os trumpetes são mais aventureiros, são como... bêbados.
PLAYBOY — Back In The URSS?
PAUL — Eu fiz essa música como uma paródia dos Beach Boys. E era uma música de Chuck Berry. Uma mistura. Eu gosto muito da ideia das garotas da Geórgia (duplo sentido com dois lugares, a União Soviética e nos Estados Unidos, com nomes iguais). E de falar da Ucrânia como se estivesse na Califórnia. Sem falar na corrente de amizade que a música estabeleceu. Eu me ligo nisso. Na URSS, as pessoas gostaram da música, embora os dirigentes do Kremlim não tenham apreciado nem um pouco. Mas... as crianças gostaram. E isso é que é importante para mim.
PLAYBOY — Ob La Di Ob La Da?
PAUL — Eu tinha um colega que gostava de repetir uma expressão de sua terra, a Jamaica: Ob la di. ob la da, life goes on... (a vida continua). E ele ficou chateado porque queria uma parte nos direitos autorais da música. Eu lhe disse: “Jimmy — era esse o nome dele —, isso é só uma expressão jamaicana, não sua. Se você tivesse escrito a canção, naturalmente você ganharia os direitos”.
PLAYBOY — Como foi para você trabalhar com outros compositores?
PAUL — Stevie Wonder e Michael Jackson? Adorei. Gosto de suas vozes e do talento dos dois. Mas não foi uma colaboração pra valer. Foi mais como se um de nós estivesse cantando no disco do outro. Não formamos nenhuma dupla. Foi apenas uma boa brincadeira, uma coisa gostosa de fazer, como as músicas que eu fiz com Michael. Michael me ligou um dia e disse que queria me ver. Eu perguntei: “Para quê?” E ele me disse que queria fazer “alguns sucessos”. Ótimo, ótimo. Mas por isso mesmo não levei muito a sério.
PLAYBOY — Você acha que Michael Jackson é um compositor sério?
PAUL — Não o admiro particularmente como compositor, porque ele ainda não fez quase nada. Prefiro Stevie Wonder. E Stephen Sondheim, provavelmente um dos melhores.
PLAYBOY — Sondheim? Como nos musicais da Broadway?
PAUL — Exato. A dupla Lennon e McCartney começou com um aperto de mão como contrato, tudo dividido meio a meio. Parecido com Rodgers e Hammerstein. Para mim, pelo menos. Essa imagem romântica que a gente viu em tantos filmes: dois compositores de Nova York, discutindo a música no piano — “Vamos chamá-la Sinfonia do Jacaré, Joe”, coisas assim. Essa imagem era forte para mim. Lennon e McCartney seriam os Rodgers e Hammerstein (os papas dos grandes musicais dos anos 40 e 50 que compuseram, entre outros, “Oklahoma”, “O Rei e Eu” e “A Noviça Rebelde”) dos anos 60. Era um sonho meu...
PLAYBOY — Então há uma parte de você que ainda procura um novo parceiro? Alguém que possa substituir Lennon?
PAUL — Não estou procurando nada... Mesmo porque também não procurei por John. Mas admito que se encontrasse alguém com quem eu me sentisse bem para fazer música, não há dúvida de que eu não diria não. Eu gosto de trabalhar assim, em conjunto. Mas o trabalho que eu fiz com John... é difícil imaginar outra pessoa no mesmo nível de entendimento. Ele era um cara muito bom. Não consigo imaginar alguém a quem eu dissesse ‘It’s getting better all the time’... e ele respondesse ‘It couldn’t get much worse’.